
Uma época difícil se aproxima. Com apenas uns trocados no bolso, meia dúzia de peças de roupa e um nome comum. O que será de mim? Olho meu rosto no espelho e percebo que tenho que fazer a barba para procurar um emprego. Só uma coisa, se eu comprar um barbeador descartável, ficarei um dia sem jantar. Que merda! Me preparo para sair do quarto e banheiro em que moro para pensar numa maneira de sobreviver e deparo com o dono do muquifo pedindo o aluguel atrasado de 3 meses. Quanto estresse! Olho e escuto seu maxilar produzir alguns efeitos sonoros pejorativos. Tento entender uma coisa, é o maxilar que produz o som? Não importa, até porque em breve serei despejado. Ah, depois do falatório o dono me entrega um envelope contendo uma mensagem. Um serviço! Esqueci de mencionar, mas de vez em quando faço uns serviços. Procuro pessoas. Pensaram que eu sempre vivi na pindaíba? Eu sempre vivi na pindaíba! No envelope também tem uma foto. Uma mulher bonita. Por quê? Ela desapareceu. Mulheres bonitas são objetos de fetiche para homens ferrados. Nunca as teremos por isso nos masturbamos bastante é isso acaba sendo nossa única fonte de prazer. Nem sei por onde começar. Aliás, sei sim, só estou dando um clima. Tem um caminho na cidade em que as pessoas são praticamente obrigadas a transitar. Como se o caminho fosse sagrado para todas as religiões possíveis e imagináveis. E no alto de um prédio que compõe esse caminho, existe um velho observador. Como um binóculo ela sabe quem passou por ali ou não. Bizarro? Sargento Malaquias é o nome da figura. Por que o velho observa/ já tentei deduzir, porém achei que é perda de tempo. Estou no topo do prédio e o Sargento Malaquias está sentado na cadeira com o binóculo, observando os transeuntes e anotando cada coordenada no seu caderninho de capa verde. Mostro a foto para ele. Velho desgraçado. Coça o saco e aponta para a direção da Casa da Boa Esperança. Pergunto como sabe que ela foi para lá. Ele diz que mulheres bonitas desesperançosas buscam valorização em lugares exóticos, por isso ela só pode ter ido para lá. Isso é dedução, indaguei. O velho olha para a minha cara, aponta para o caderno e diz – Eu tenho mais de 100 cadernos desses anotados. Nunca deduzo nada, tenho certeza do que eu falo meu caro!!!!!!!! Anotações são deduções com aspecto de verdade, penso. Resolvo ir para a Casa da Boa Esperança. A casa é o lugar dos proxenetas e dos vendedores de fantasias. Putz, pena estar com pouco dinheiro. Lá chegando mostro a fato para uma vendedora de plantão. Ela ri, pois não esperava alguém procurar logo essa mulher. Ué, por quê? A vendedora diz que a mulher procurada achou que as mulheres da Casa da Boa Esperança vendem o corpo delas. Ledo engano. Quem vende o corpo, está morto. Nós vendemos fantasias. Pergunto onde a moça da foto está. A vendedora diz que ela não agüentou e foi embora. Porra, foi embora. Agora fala sério, já viu puta filósofa? O mundo é doidão mesmo. Caminho sem rumo com a barriga roncando e pensando numa forma de achar essa porra de mulher bonita. Diazinho maçante. Sento num banco de frente a um rio onde pessoas circulam felizes com a anestesiação do mundo. Uma pessoa senta ao meu lado. Uma mulher para ser mais exato. Continuo olhando para o rio. Tô com fome. A mulher pede um cigarro. Olho para ela. Olha só, é a mulher da foto na minha frente. É sacanagem, obviedade, seja o que for, mas ela está na minha frente. Pergunto para ela o porquê dela ter desaparecido. Ela olha e pergunta se estou com fome. Claro que estou. Ela me chama para fazer um lanche. Comendo o lanche os dizeres dela me comovem. “Ser bonita talvez seja o maior desejo de uma mulher. Portas se abrem, as coisas acontecem, os homens te desejam. O sentimento de felicidade que você imprime nas pessoas é incrível. O complicado é saber que a beleza é a prisão disfarçada de perfeição. Temos que ter gestos programados, falas específicas, roupas escolhidas e sorrisos armados. Depois de um tempo só fazemos isso e a vida fica sem sentido. Parece que flutuamos em um mundo sem nenhuma expectativa esperando alguém apontar o dedo, se excitar ou te proteger. No final percebemos que não vivemos porcaria nenhuma, servimos apenas de vedete para realização de fantaisas alheias.” Realmente fiquei comovido com lucidez dela, fiquei mesmo. Eu sou um fudido e ela é uma mulher bonita. O que temos em comum? Porra nenhuma! Explico a situação no qual fui submetido. Ela resolve voltar para onde veio. Eu recebo meu ordenado. Volto para a quitinete com algumas compras e o dinheiro do aluguel. Sento na cadeira localizada no meio do quarto, fecho os olhos e me imagino beijando a mulher bonita. Durmo na cadeira.