quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cotidiano Parte III


Eu observo essa multidão em busca de uma solução para um segmento de sociedade vigente. Besteira. Eles se matam, pois não têm a paciência necessária para ouvir o que o próximo tem a dizer. Ando de saco cheio com essas práticas. Enxergo algumas pessoas assim também. Sento na plenária e ouço alguns discursos interessantes, de embate, de garantias, de produtividade e eficácia da militância. Poucos ouvem. Absorvo a informação e me foco em outros pormenores. As pessoas conversando, transitando, divagando e intervindo na plenária. Estou sem saco nessa porra. Resolvo sair.
A rua está movimentada e como sempre alheia ao que está acontecendo dentro do teatro. Aliás, a grande problema dos movimentos é a adesão. E a prática? As ações se concretizam? É tudo blá, blá, blá como diz um grande amigo. Eu estou acreditando seriamente nele. Olha que eu estou.
Que preta linda! Nesses encontros sempre encontro pessoas interessantes para observar. Eu sou um contemplador declarado e às vezes vai contra a minha vontade transformadora. Na verdade eu deveria estar fazendo o diferencial, até mesmo nas investidas. Eu ganharia mais fôlego com certeza. A preta anda, conversa, ajuda a carregar pratos, dança jongo e presta atenção nos palestrantes. Eu? Eu só contemplo. Os espaços para ações diretas perdem seus significados com a demora e acontece o óbvio. Ela fica aborrecida e me ignora. Eu sabia perfeitamente que isso iria acontecer como sempre acontece. A tolice é a percepção acompanhada de não-ação. Tolos.
No final sou afrontado. Disseram que deixei a desejar. Que traí os ideais e compactuei com a derrocada do processo. A disputa de poder cega as pessoas. Elas fazem de tudo para ter o poder. Aí os verdadeiros se tornam falsos e os falsos se tornam verdadeiros. E quem sai bem na foto? Eu não saí. Sou verdadeiro ou falso? Depende do ângulo. Branco tem poder, negro quer poder... Negro tem poder, branco quer poder... Quando todo mundo vai sentar-se à mesa nessa porra?

terça-feira, 22 de julho de 2008

Cotidiano Parte II


A dor de cabeça incomoda. Então nada mais óbvio do que tomar um comprimido. O cachorro late com o movimento das ruas e eu tenho que resolver o problema. Porra, sempre sobra pra mim. E aí doidão? Já resolveu? Nem comecei ainda, meu nego. Porra, tu tá fudido ein. Rapá, nem me fala, fudido e mal pago.
Ela toma banho não se preocupando com o tempo. O sabonete desliza pela suas curvas com a naturalidade que minhas mãos tinham. Tinham? Em pensamento, em pensamento. Ela sai do banho e passa o hidratante de amêndoas. Coloca o belo vestido florido e se prepara para sair. A companhia toca. Sou eu. Ela pega o violão e vai me atender. Toca. Sou eu. Ela pega o violão e vai me atender. Estamos indo ao lugar combinado e as vezes fico puto quando me dão essas missões. Ninguém percebe o risco existente nesse tipo de tarefa. Conversamos bastante. Rimos bastante. E o que rola são amenidades. O tempo passa e chegamos ao local combinado. Aguardo apreensivo enquanto ela adentra para acertar os detalhes. Coloco a mão na cintura para prevenir eventuais desalinhos. Ela volta e diz que está tudo ok. Ufa... relaxamento normal diante do fato que irá ocorrer agora. Ela tira o violão da capa e pluga na mesa de som. A melodia amplificada toma conta do recinto e todos ficam felizes. Tudo acaba e no final peço o violão para ela cantar aquela canção que compus um tempo atrás: “não sou nada diante do acaso, não tenho medo do seu despacho, não adianta quebrar as expectativas, infelizmente garota, você não faz mais parte da minha vida”.
Vem cá mane, onde residia o perigo nisso tudo? O perigo? Ela sempre foi a mulher da minha vida e sempre não conseguimos ficar junto. Quem pediu para acompanhá-la foi um grande amigo que está noivo dela e fiquei com um receio de rolar algo indesejado que poderia culminar numa briga generalizada. É, isso é foda mesmo, mas e aí? Levou ela pra casa? Levei, mas rolou o que não deveria. O beijo? Sim. Maneiro, e seu amigo? Esquece meu amigo, ele só irá saber se você estiver gravando essa conversa. Ha, então você tá fudido. Estou a muito tempo...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Cotidiano Parte I


Ela liga pedindo um encontro. Eu não quero encontrar ninguém. O fim de chamada contrasta com a última mordia na maçã. Quanto pecado junto minha querida. Releio uns documentos para entregar logo mais. Vejo as fitas amontoadas na mesinha da sala. Todas datadas e mais ou menos conservadas. Decido assistir uma. Ela dá voltas pelo quintal com a bicicleta como se fosse criança. E fica. E fica. Enjoado de filmar, peço-a para parar. Ele me ignora um sorriso de orelha a orelha. Tempos felizes. Tiro a fita do velho vídeo – cassete. Tenho que convertê-las para DVD. Consulto a hora. Estou atrasado. Saio de casa apressado para o trabalho. Apresento o relatório mensal do meu setor. O dia já foi cumprido. Vou almoçar e não volto para o trabalho. Resolvo dar uma volta.
Estamos tentando chegar a algum lugar juntos e o que recebe? Um ponta-pé no meio da bunda. Daqueles para deixar marca. Eu me sinto assim diante de minha última relação. Já tive o tato para tentar modificar os meus sentimentos com relação a experiência. Se é para rolar assim que role, ou melhor, se rolou assim que assim seja. Meu momento é de introspecção. Sem ressalvas ou glórias. Só quero me concentrar nos singelos afazeres do cotidiano. Sem grandes esforços ou desprendimento de energia extra. Vamos vivendo, caminhando e seguindo as regras conforme deve ser. E como deve ser? Boa pergunta...
O horário do encontro está próximo. Eu até estou no local combinado. Gostaria de saber o que ela tem a dizer. Boa e velha desculpa, o que ela tema a dizer... definitivamente não sou bom em quebrar amarras. Se livrar via fuga pior ainda. E ainda não tenho certeza de que encarar a situação é o melhor caminho. Ela chega. Bonita como sempre. Lânguida como sempre. Dengosa como sempre. Ela diz oi e me abraça chorando. Pede desculpas. Chora, chora, chora. Nos olhamos e ela tenta me beijar. Eu a afasto. Ela quer explicação, mas eu não dou. Dou-lhe um soco no nariz. Ela sangra. Empurro-a. Ela cai indefesa. Chuto suas costelas. Ela desmaia e eu sorrio. Mentira, to de caô. Não teria como fazer isso. Não agrido fisicamente ninguém. Só uns palavrões e algumas colocações impactantes para humilhar. Ah, não sei o que dizer.
O relato já encheu e o que aconteceu depois, depois resolvemos. Depois conversamos, já é? Já é não, já foi.