terça-feira, 27 de novembro de 2007

Correrias da vida....


Na praça da cidade pequena dedilhava o violão em busca de melodias para sensibilizar os transeuntes, só para conseguir uns trocados. Trocados, mexidas e indícios de moedas para bater um rango e pagar aluguel. Talvez sobre para comprar um prestobarba, pois minha barba tá grande pra cacete. Ih, isso até atrai mais trocados neguinho. Vejo no horizonte os guardas municipais vindo na minha direção. Pronto, vão querer tomar minha viola de novo. Eu o guardo rapidamente e vazo dali. Tenho certeza de que os guardas ficam putos com minha atitude. Foda-se!
Na caminhada para casa conto o dinheiro, o suficiente para ir à padaria comprar uns pães e dois pacotes de leite. Chego em casa, uma kitnet. Sala, cozinha e banheiro. Recebido com um latido e uma subida nas pernas. É, tenho uma cadela. Ela se chama baleia. Homenagem ao livro de Graciliano Ramos, Vidas Secas, que aliás eu achei num lixo de uma casa de luxo, grande e bem ornamentada. É foda. Vejo a carta no chão. Abro. Despejo. Aviso já? Puta merda, ein!? Dou uns dois pães para a baleia e deito no colchonete pego o violão e dedilho. Alguém bate à porta. Vai abrir. A burguesa. A burguesa que gosta de transar comigo. Ela entra e traz consigo um baseado. Peço para ela esperar e coloco a baleia no banheiro. Os animais não precisam ver essas coisas. Trepo, fodo, fodo, trepo. Satisfaço-a. Ela vê a carta jogada no chão. Lê e diz que preciso trabalhar. Porra, saí de casa por causa disso. Digo que o violão é minha ferramenta. Peço um dinheiro para comprar um prestobarba. Ela alisa o meu rosto diz que prefere assim. E eu querendo uma grana. Levanto e abro o banheiro para a baleia sair. Ela percebe que a foda não terá segundo tempo. Vai embora a burguesa. Como uns dois pães e durmo. Na praça dedilho as cordas do meu violão. De repente aparece um muleque miudinho, pretinho, cabeça raspada. Olha bem para os meus olhos. Seu corpo começa a balançar. Aumento o ritmo e o muleque acompanha. E vai chegando gente. E vai chegando. Puta merda. O chapéu que eu coloco para receber uns trocados encheu rapidamente. E eu empolgado. O pretinho dançando e nem percebo os guardas chegando. A multidão se dispersa. Os guardas tomam meu violão. Vou ter que desenrolar pros caras liberarem, dar uma grana, essas coisas. Que pena, os caras já deveriam estar com raiva de mim e quebraram o violão. Levo um pescoção e escuto. –vaza! Saio cabisbaixo. Vou à padaria e gasto toda a minha grana em mantimentos. Chego a casa. Os dias passam e eu só fico dividindo a comida com a baleia e mais nada. Tento ler um livro e a concentração não vem. A burguesa vem. Trepo, fodo, fodo, trepo. Não a satisfaço. Ela pergunta o que está acontecendo. Digo que quebraram meu violão. Ela diz que preciso trabalhar. Eu digo que a comida ainda dura um mês. Ela diz que eu não posso continuar vivendo assim. Eu digo que quebraram o meu violão. Ela pergunta por que eu não coloquei a baleia no banheiro. Eu digo que não vale mais a pena. Ela se levanta e vai embora. O mês passa. A comida acaba. Boto uma roupa mais ou menos e vou trabalhar. Vou procurar emprego. Tento. Tento. Tento. E tento. Dreads, barba e pele preta. Não tenho chance. Já cansado dessa bosta, volto pra casa e a baleia sobe na minha perna como sempre subiu. O meu olhar de incapaz não comove a cachorra, mas eu me comovo com o olhar dela. Entro no banheiro para lavar o rosto e tiro a roupa que me fez ser humilhado em cada ponto de emprego. Não que eu andasse desarrumado ou fedido. É que é um desprendimento de energia para saber que você faz pare do eterno exército de reserva e vai ter que aceitar a desvalorização de sua mão-de-obra. Músico reflete? Nem músico eu sou. Olho para o meu quarto com resíduos plásticos, papéis e roupas espalhadas. Observo uma outra carta. Sair até amanhã de manhã. Minha vida. Deu nó. Que merda. Que merda. Batem na porta. Nem vontade de abrir deu. Batem na porta. Abro com ódio. A burguesa. A burguesa novamente. E trazendo algumas sacolas. E me dando o dinheiro do aluguel. E trazendo o baseado. Trepamos, fodemos, fodemos, trepamos, não sei mais o que dizer sobre a burguesa. Ela levanta e sai. Pede para esperar. A baleia tá no banheiro. Ela volta. E com um violão. Fico feliz. Ela gosta de mim? Eu a satisfaço, isso sim. Sei lá. Só sei que finalmente ela trouxe o prestobarba.

Um comentário:

Anônimo disse...

o que eu estava procurando, obrigado