segunda-feira, 3 de março de 2008

Discurso Anti - Popular


Um Zunido invade a minha cabeça. Abro os olhos. A cachorra lambe o meu rosto. Puta merda, ela não come a 3 dias. Colchão no chão, me descubro do lençol velho. Vou ao banheiro lavar o rosto.- Negão, oh negão, negão. – Entra aí camarada. Um colchão, um lençol, um fogão, uma geladeira e uma mesa. Um quarto, um banheiro, uma cozinha e uma sala. Poeira, tijolos quebrados e um grafite na parede da sala. – Koé negão, tem unzinho pra nois aí não? – Porra, não tem nem gás e geladeira não tem porra nenhuma. – Calma negão, você sempre tem um unzinho. – He, e você, me emprestam um real? – Um real? Só isso? – Se você tiver mais de um, eu agradeço. – Po, vim te chamar para um serviço. – Ó, só se for agora.saio com uma bermuda e camisa vermelha. Uma corrente e um cadeado para fechar a porta. Chego à rua. Umas esquinas depois chegamos num ponto de ônibus. A barriga ronca. Ronca para caralho. Uma cena periférica. Uma escada de muleques pretos. 8, 7, 6, 5 anos aparentemente. Todos passando de camelo. Chegam perto da esquina e um carro freia bruscamente. As crianças caem na rua. O ponto de ônibus está lotado. – Presta atenção filha da puta. – Comprou a carteira porra. – Se atropelasse as crianças tava fudido. Palavras soltas. Euforia. O motorista sai do carro e tenta dar um pescoção no garoto. Um cara vem correndo e dá uma voadora no motorista. Confusão. À 200 metros do ponto tem uma delegacia. Chega uma viatura. Tentativa de dispersar o movimento com o uso de cacetetes. – Porcos de merda. Alguém vem correndo e joga um paralelepípedo no pára-brisa da viatura. – Que foda! Deu arrepio. O povo tá com ódio. Os policiais entram na viatura e tentam ira trás desse alguém. O meu camarada vai de encontro aos muleques e puxa 5 conto. Eles se ajeitam meio que assustados, pegam o dinheiro e continuam a pedalada. – Porra, t com dinheiro e eu cheio de fome, paga um lanche caralho. – Calma negão, tem coisa melhor esperando a gente. – Coisa melhor? Porra, a fome tá foda. – Calma, relaxa... O ônibus chega. Sento na cadeira. Fecho os olhos, zunido. Recebo uma cutucada. Abro os olhos. Barulho de motor. Odeio receber cutucada. – Vambora negão. Centro da ciaded. Prédios, pastelarias, restaurantes. Um correio. Foda-se o correio. Caminhamos, caminhamos, caminhamos e chegamos num prédio com cara de prédio. Um elevador. 4º. Andar. 402. O camarada toca a campainha. Um branco abre a porá. Uma sala com uns sofás confortantes, uma mesa de vidro com uns doces, salgados, biscoitos, uma garrafa térmica com café, jarros de suco. Invado. O branco pede para a gente esperar. O branco some da sala e eu comendo pra caralho. Vinte minutos se passam. Os sofás realmente são confortáveis. Um branco de terno e gravata entra na sala. Roupa do opressor. Fazemos uns serviços. Somos dois pretos mal encarados e servimos para uma coisa: intimidar. A gente intimida devedores. O branco fala, fala, fala. O de terno e gravata acena com a cabeça. Nem me preocupo comas palavras dos brancos. Tento me concentrar no serviço. Matei a minha fome. Saímos do apartamento. Entramos no carro do branco e fomos para a casa do devedor. – Negão, preparado? O meu camarada sempre pergunta isso. Ah caralho, tudo passa muito rápido. Porra, porra, porra. Só xingando muito nessa merda. Voltando: - Preparado parceiro. A casa do devedor é bem arrumada. O carro pára. Descemos. Arrombamos o portão. Os cachorros latem. Batemos na porta. A casa é ornamentada com um muro e portão estilo americano. As paredes externas são brancas. Pureza. Não importa, o cara deve. Tristeza. Estamos num filme de ação. Um barulho na porta. Tiro de doze milímetros. Meu camarada voa. Caralho. Eu corro em volta da casa. Quem é esse cara? O nosso mal é não perguntar quem são os devedores. Olho para a rua. O carro não está mais lá. Caralho. Uma janela aberta. Entro. Entro, caio desajeitado sem saber onde estou. Quando olho e quando sinto, a doze está colada no meu corpo. – Calma irmão, vamo conversar. – Conversar? Por que vocês arrombaram meu portão? – Calma rapá, você já meu camarada, tá na merda, me matar não vai adiantar nada. – É negão, tá na tremendo na base filho da puta, quem te mandou aqui? Quem te mandou aqui porra? Quem te mandou? Quem te mandou? O frito foi tão alto que doeu meu ouvidos. Lágrimas saem dos meus olhos. – Chorando negão? A frase do cara me deixa puto. Dou um tapa na arma. Tiro no alto. Parede do teto arrombado. Destroços nem caem direito e eu corro. Corro. Corro. Um barulho. Outro barulho. Eu corro. Caio. Dor, medo. Olhos abertos, barulho de carros. Latidos. Fecho os olhos. Zunido. – De quem são os corpos? – Dois pretos que tavam a fim de me assaltar. – É, esses merdas são foda mesmo. – A viatura lá do distrito levou uma pedrada. Coisa de doido. – Não foram esses dois não? – hehehehehehehehehehehe. Abro os olhos. Não vejo porra nenhuma...

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