segunda-feira, 17 de março de 2008

Encontros Normais Parte II


“Vai embora, vai embora”. Você não sabe o quanto de nocivo é ouvir esta afirmativa, ainda mais quando pensamos que tudo está no controle.

Sentado numa pedra na beira do mar tentando pescar. Pescar nunca foi um dos meus fortes. Talvez a inveja de ter alguém próximo que pesca tão bem, e na beira do mar sempre tem alguém melhor. Pois bem, já estava meio puto por não ter conseguido pegar nenhum peixe e chega ao meu lado uma bela mulher. Na verdade ela já estava ali faz tempo. Só que a percebi depois do meu total fracasso na pescaria. O fato de observar a mulher bonita é um gancho para uma história de paixão avassaladora. Porra nenhuma. Só me limitei a observar mesmo e pelo que eu me lembre, nuca mais a vi. Tá bom, a narrativa caminha para alguns dias depois da pescaria. Estava assistindo uma palestra sobre a questão do empobrecimento e suas nuances. Interesse-me pelo empobrecimento sexual e suas particularidades travestidas na necessidade do mercado. Senti-me um pouco acuado pelo momento no qual passo e senti uma enorme vontade de me declarar para a bela mulher preta sentada na primeira fileira. Vontade e prática deveriam ser indissociáveis, mas não o são. O momento agora é a fila do banco. Uma fila dispersa, pois funciona por senhas. Pessoas sentadas esperando a vez de transferir sua renda para o lucro anual dos banqueiros. Observo uma bela mulher preta chegando, aparentando uma estafa de estar andando por aí pagando contas. Chega ao meu número. Sou atendido e vazo dali. Odeio bancos. O que deveria estar em jogo é na verdade a minha capacidade de observação. Porcaria. Eu e minha mania de grandeza. Estou em casa dormindo. O som alto é a barreira necessária para não mais aceitar a interferência externa. Realmente eu gosto muito de dormir. Sinto-me em momento nos quais poucos seres serão capazes de perturbar minha essência. A porta do quarto ressoa um barulho que contrasta com a música. Fico em alerta. O barulho ressoa. Abro a porta. Uma bela mulher preta. Como eu estava dormindo, a bela mulher preta deve ser alguma daquelas que observei e que me inconsciente traz para me confortar. Só que não é um sonho. A bela mulher preta tem nome e veio conversar. Disso que está em casa agoniada e precisava conversar com alguém. Legal, pode falar. Então ela começa. Diz que se sente incompreendida, que tem um ímpeto revolucionário, que prefere ficar na dela, que é extremamente talentosa e por ai vai. Penso: é bonita e gostosa também. Diz que sou muito compreensivo e não abre mão de mim. Começo a acreditar que ela realmente gosta de mim. Tento beija-la e ela diz para dar tempo ao tempo. Dar tempo ao tempo. Ela se despede. E eu volto me deitar. As relações acabam assumindo um caráter de dependência quando descubro que ela tem encontros constantes com um velho amigo. Fico encucado e começo a perceber o quão efêmero são os momentos em que vivi até hoje. Chamo-a para um encontro e depois de uma discussão extensa e acalorada, ouço a frase lá no começo da narrativa: “vai embora, vai embora”. Sinceramente não estava com as fortalezas psíquicas bem construídas e fiquei totalmente sem rumo. Também percebi as bases inúteis em que andei construindo meus conceitos durante um bom tempo. É, o que fazer quando a certeza escapa de nossas mãos assim tão facilmente? Os escapismos e as crises existenciais que permearam todo o meu discurso se condensam em amenidades quando resolvo encara a situação de forma coesa e satisfatória. Olha lá, os dois estão firmes juntos. Realmente, hoje o que me importa é desconstruir as relações...

2 comentários:

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